As ilhas atlânticas de Cabo Verde assumem alguma especificidade em relação às outras colónias de Portugal, (Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, Guiné Bissau e Timor) no seu processo de povoamento e colonização.

Logo à partida o facto de serem ilhas não habitadas, levou a que navegadores das naus levassem escravos de Guiné para lá o que fez destas ilhas e em particular a Cidade Velha, um importante entreposto comercial nas rotas do atlântico no tráfico de escravos, e a uma mestiçagem populacional.

Por outro lado, o bilinguismo com intensa presença do crioulo no falar local, as difíceis condições climáticas, o aspeto geográfico reforçado pela insularidade do arquipélago levou a uma fixação de população europeia escassa.

São esses elementos de insularidades que causando um sentimento contraditório nos homens da sua terra em relação ao mar, em querer ficar, mas ter que partir, que se tornam uma referência estética na literatura.

Nos inícios do século XX, com a emergência do ensino das letras e a possibilidade de publicação nos órgãos da imprensa local, desperta, entre os letrados a busca duma identidade local.

Entre o amor à terra e a necessidade de estar em permanente viagem são dois pontos presentes na abordagem poética. Os poetas tentam criar uma história, um passado para o arquipélago diferenciando-o do português colonizador que permitisse incorporar outra herança, vinda de África, mas tornada crioula nas vivências das ilhas e que valorizasse a mãe-terra crioula, a mátria.

Ricardo Riso assinala que um dos topos interessante do percurso de busca de identidade crioula: o recurso ao mito arsanário ou hesperitano como origem (associado à idéia de pátria), referenciando que, nas obras de José Lopes e de Pedro Cardoso, já nos seus títulos (Hesperitanas, 1928, e Hespérides, 1929; Jardim das Hespérides, 1926, e Hespéridas, 1930, respectivamente) interpretam a origem como: ilhas do velho Hespério e pai das Hespéridas, que abrigavam jardins repletos de pomos de oiro, guardados pelo dragão de cem cabeças, morto por Hércules.

As "ilhas perdidas no meio do mar" destacadas por Jorge Barbosa no seu antológico Arquipélago, 1935, já eram identificadas por Camões, em Os lusíadas (canto V, VII, VIII, IX) como Cabo Verde (Cabo Arsinário ou Estrabão).

Os poetas recorrem assim ao passado de glórias do paraíso perdido da Atlântida como uma maneira de acalentar a situação em que se encontravam, diante da miséria perpetrada pelas condições climáticas adversas das ilhas. Porém, apresentam ainda uma situação confusa, onde ora assumem a pátria lusitana, ora almejam “a terra onde nascemos” (ilha-mãe) como podemos constatar nos trechos a seguir em que Camões surge nos versos de José Lopes:

Mas somos filhos, nós, de outros gigantes
Que, “por mares nunca dantes navegados”
Nossas Ilhas tiraram do mistério [1]

Já Pedro Cardoso canta a pátria portuguesa, mas não se esquece da sua pátria crioula:

A minha pátria é uma montanha olímpica
Tamanha! (...)
Na verdade, escutai! – chama-se
Fogo! [2]

Nasci na Ilha do Fogo,
Sou, pois, caboverdeano,
E disso tanto me ufano
Que por nada dera tal.
Ser filho de Cabo Verde,
Assevero – fronte erguida –
Que me é honra a mais subida
Ser neto de Portugal. [3]

Parece ser consensual a ideia que o recurso ao mito hesperitano já propunha uma alternativa para a terra-mãe, renegando a pátria portuguesa.

Contudo, a “referência a este mito ainda apresenta uma solução longe daquilo que é vivenciado, o sentimento de evasão está presente e também aparecerá em outro movimento literário surgido com os poetas que formaram o corpo da revista Claridade a partir de 1936, e será conhecido como Pasargadismo.” (Ricardo Riso, )

A revista Claridade (1936-1960) liderada por Jorge Barbosa, Baltasar Lopes (Osvaldo Alcântara) e Manuel Lopes, integrantes da elite intelectual crioula cabo-verdiana, sendo acompanhados por Corsino Fortes, Gabriel Mariano, Onésimo Silveira entre outros.

Esse grupo de escritores passa a assumir suas raízes locais, terão como temas os flagelos sentidos pela população, a seca, a fome, assim como a presença constante da insalubridade e a consequente evasão para solucionar este drama. Podemos citar na prosa, o livro “Flagelados do vento leste”, de Manuel Lopes, como representante deste período

Todavia os “claridosos” admiram as inovações literárias propostas pelo modernismo brasileiro, como podemos inferir no poema “Você, Brasil”, de Jorge Barbosa:

Eu gosto de você, Brasil,
Porque você é parecido com a minha terra.
Eu bem sei que você é um mundão
E que a minha terra são
Dez ilhas perdidas no Atlântico,
Sem nenhuma importância no mapa. (...)

Mas é com Manuel Bandeira e a sua busca da felicidade tendo como imagem a ida para Pasárgada, que os poetas assumirão a evasão como principal característica. Sua influência é tamanha que faz escritores como Jorge Barbosa considerá-lo como um irmão brasileiro citando-o em diversos textos, e outro importante admirador claridoso é Osvaldo Alcântara (Baltazar Lopes). Assim comenta Simone Caputo Gomes:

Entretanto, a evasão proposta pelo pasargadismo será contestada pelos escritores das gerações seguintes, anunciar-se-á o sentimento de anti-evasão e tendo como lema o dito “Não vou mais para Pasárgada”,

Os poetas do Suplemento Cultural (1958) e da Geração da Nova Largada (Ovídio Martins, Gabriel Mariano, Aguinaldo Fonseca entre outros) recusam o mito pasargadista e propõem a permanência em Cabo Verde como forma de resistência e ação, postura esta que já vinha sendo discutida pelos representantes da revista Certeza (1944, dois números).

Ovídio Martins retrata o momento de ruptura nos versos que seguem.

Pedirei
Suplicarei
Chorarei [4]

por sua vez, Onésimo Silveira apresenta o gosto pela origem cabo-verdiana, seus ritmos, suas mulheres.

O povo das Ilhas quer um poema diferente
para o povo das Ilhas:
Um poema com seiva nascendo no coração da ORIGEM
Um poema com batuque e tchabéta e badias de Santa Catarina
Um poema com saracoteio d’ancas e gargalhadas de marfim! [5]

Depreendemos que a procura identitária na poesia cabo-verdiana vai se desenvolvendo com o passar dos anos. até chegar à poesia actual ainda na incansável busca pela identidade, Almada passeia pela temática típica dos seus predecessores e propõe um novo canto:

Quero
Um canto diferente
Para Cabo Verde

Já não somos
Os flagelado do vento leste
Dominamos os ventos
Já não somos os contratados
Como animais de carga para o Sul
Conquistamos a dignidade de gente [6]